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Direito Civil & Direito do Consumidor

Considerações:

               Os códigos da vida em sociedade

 

                     I. A vivência sob normas

 

              É universal o anseio humano por uma existência digna, completa, dotada de pleno sentido, longe de ameaças à integridade da vida, em que cada  sujeito usufrua da convivência com os demais sob a fruição de consciências autônomas e livres.

             Aqueles que se orientam por códigos, dosando suas ações e reações diante das vicissitudes da vida em sociedade, evitando os extremos da violência, aprendem a ponderar as variedades da razão e, finalmente, a aquiescerem diante da verdade dos fatos, comprovados e compreendidos. 

              Algumas cicatrizes ficam para sempre, mas a vida prossegue e as gerações vindouras saberão agradecer pela sabedoria dos que se foram, deixando como legado, um código de convivência, que é, em síntese, um acordo de paz e uma aliança que une passado e futuro.

                   Dentre todos, o Código Civil, com mais de 2.000 artigos, é o que melhor se aproxima do dia-a-dia do cidadão. É ele que será chamado a consolidar a boa-fé no trato entre as gentes e ajudar a resolver as cismas que fazem da paradoxal existência humana um permanente equilibrar-se entre tragédias e maravilhas.

               Inicialmente, é preciso saber que há normas para as próprias normas.  Em 1942, o decreto-lei 4.657 passou a regular as normas do direito brasileiro. E desde então se anuncia que toda lei passará a vigorar no território nacional 45 dias após oficialmente publicada, salvo se ela própria anotar outro prazo. Muitas foram as alterações na redação do texto original, mas seu conjunto permanece orientando a produção normativa nacional.

                  Sustenta o decreto-lei, também conhecido como Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que toda lei permanecerá em vigor até que outra a modifique ou revogue. A lei posterior revogará a anterior quando assim expressamente o declarar ou quando for com ela incompatível ou ainda quando regular inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. 

             E quando a lei nova vier a estabelecer disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revogará nem modificará a lei anterior. E a menos que haja disposição em contrário, a lei revogada não se restaurará por ter a lei revogadora perdido a vigência. 

                    A entrada em vigor de uma nova lei não irá afetar os atos que seguiram rigorosamente todos os procedimentos então previstos para a consolidação dos seus efeitos. E tampouco irá desfazer os efeitos do direito já adquirido ou de quaisquer questões que já tenham sido decididas em caráter definitivo. 

                  Algumas leis são simples, contendo um ou dois artigos; outras, são bastante complexas, contendo centenas ou dúzias de centenas de artigos. Mas ninguém poderá violar uma lei alegando desconhecê-la. 

                   Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. E quando a lei for omissa sobre um determinado tema, o juiz decidirá de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 

             Portanto, nenhuma questão levada ao Poder Judiciário poderá ficará sem resposta, existindo ou não um marco legal regulador. Se provocado, o Poder Judiciário é obrigado a decidir e com prazo para fazê-lo.

                  Para a perpetuação do bem comum, é preciso repetir sempre: é o Estado que existe para servir ao cidadão, e não o contrário.     

                     II. O convívio entre brasileiros e estrangeiros

 

              As regras acerca da capacidade civil da pessoa, seu nome, o começo e o fim de sua personalidade, além dos correspondentes direitos de família, serão reconhecidos pelas leis do país em que a pessoa for domiciliada. E domicílio é o local de sua residência habitual e cotidiana. Quando a pessoa não tiver domicílio, será considerada domiciliada no lugar em que estiver residindo ou no lugar em que se encontrar.

                   Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados. O incapaz terá como domicílio o de seu tutor ou curador responsável por sua guarda.

                Para o estrangeiro domiciliado no exterior, as leis de seu país é que ditarão as respectivas regras. No entanto, se casar no Brasil, serão aplicadas as regras formais de celebração e impedimentos exigidas pela legislação brasileira.

                  Os estrangeiros poderão celebrar casamento no Brasil perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal. O regime de bens, legal ou convencional, obedecerá às leis do país em que forem domiciliados, e, se esses forem diversos, valerá as leis do primeiro domicílio conjugal.

              O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, poderá requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, que no mesmo ato se defina a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros, devidamente anotada no competente registro, sob expressa anuência de seu cônjuge.

                   O divórcio entre brasileiros, ou entre estrangeiro e brasileiro, que venha a se realizar no exterior, será reconhecido no Brasil depois de um ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. A requerimento do interessado, o Superior Tribunal de Justiça poderá rever decisões já proferidas em sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros já homologadas.

 

                    III. Brasileiros e estrangeiros: patrimônios e obrigações

 

                 Os bens patrimoniais são qualificados e regulados pelas leis do país em que estiverem situados. São as leis vigentes no local de domicílio do proprietário que regulam seus bens móveis e imóveis. Mas o penhor será regulado pela lei do domicílio da pessoa em cuja posse se encontre a coisa apenhada. 

            Regem e qualificam as obrigações a lei do país em que se verificarem as relações obrigacionais. A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente. A obrigação a ser executada no Brasil, dependente de forma essencial, terá essa forma observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

                   Na ocorrência da morte, ou ausência, a sucessão obedecerá à lei do país do domicílio do falecido, ou ausente, qualquer que seja a natureza e a situação de seus bens. A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei vigente no domicílio do outrora titular dos referidos bens. Mas é a lei do domicílio do herdeiro ou legatário que regulará a capacidade para suceder. 

             As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituirem. Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.

                   Os governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou suscetíveis de desapropriação. Mas podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares.

                     A autoridade judiciária brasileira tem competência para fazer o réu estrangeiro cumprir sua obrigação aqui no Brasil, quando esta tiver que ser aqui cumprida ou quando o réu aqui tenha domicílio. E somente a autoridade judiciária brasileira tem competência para conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil.

                     Além disso, a autoridade judiciária brasileira fará cumprir, concedido o exequatur - que é uma autorização do Superior Tribunal de Justiça para execução de um comando de justiça estrangeira em território brasileiro - as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente.

                   No entanto, as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. E se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei. 

                  A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se. No entanto, os tribunais brasileiros não admitirão provas que a lei brasileira desconheça. Se a lei estrangeira for desconhecida pelo juiz, ele poderá exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência. 

                     Somente será executada no Brasil a sentença proferida em outro país que tenha sido proferida por juiz competente, as partes tenham sido citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia, tenha passado em julgado e esteja revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida, estar traduzida por intérprete autorizado e ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

               Quando em país estrangeiro, os brasileiros poderão celebrar, junto às autoridades consulares brasileiras, o casamento e os demais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no país.

                   As autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando de seu casamento.

               É indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído, que se dará mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso a outra constitua advogado próprio, não se fazendo necessário que a assinatura do advogado conste da escritura pública.

 

                      IV. O código civil e a pessoa humana

 

                O atual Código Civil Brasileiro é o resultado da maturação da sociedade brasileira integrada à sociedade internacional. Foi instituído pela lei 10.406, em 10 de janeiro de 2002, e diz respeito a todos indistintamente, dispondo amplamente sobre a coexistência em sociedade, atribuindo direitos e deveres.

                      No Brasil, toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Mas a lei protege, desde a concepção, os direitos do nascituro. A incolumidade da vida humana vigora desde o instante em que o espermatozóide fecunda o óvulo. Mas a personalidade civil começa no momento do nascimento com vida.

                     Toda pessoa é dotada de personalidade. E, por extensão, a personalidade também tem o resguardo da lei. A personalidade civil da pessoa está associada a um nome (prenome e sobrenome) de livre escolha dos pais. No entanto, há situações em que o prenome pode vir a causar constrangimentos, expondo a pessoa ao ridículo. 

                    Em função disso, foi aprovada em 1973, a lei 6.015, conhecida como Lei de Registros Públicos, que determina que os oficiais do registro civil não aceitem prenomes que possam causar danos à personalidade da pessoa. E a mesma lei fixa que ao atingir a maioridade - aos 18 anos, no Brasil - a pessoa poderá alterar o prenome, jamais o sobrenome. Apelidos públicos notórios poderão ser adicionados ao nome, não sendo proibidos por lei, como aqueles derivados de imoralidades ou práticas criminosas.

                     Ainda é controversa a alteração de nome por consequência de operação de mudança de sexo. Como esse procedimento cirúrgico já foi autorizado pela rede pública de saúde, a questão vem promovendo calorosos debates na comunidade jurídica. Ainda não há consenso.

                    Desde 1999, com a vigência da lei 9.807, que institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, também há previsão de substituição do pronome - e, pelas circunstâncias excepcionais, também do sobrenome - até que cesse a coação ou ameaça motivadora da alteração. 

                    Os direitos de personalidade, como exemplos, o direito ao nome, à honra, à imagem, são intransmissíveis e irrenunciáveis. As poucas exceções são previstas em lei. Por exemplo, nos contratos envolvendo a exploração comercial do nome, ou pseudônimo, e da imagem de uma pessoa. Em regra, o exercício dos direitos de personalidade não pode sofrer limitação voluntária.

            O nome da pessoa não poderá ser empregado por ninguém em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. E o pseudônimo adotado para atividades lícitas também goza da mesma proteção que se dá ao nome.

                      Apenas com a autorização da pessoa, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, será permitida a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, a publicação, a exposição ou a utilização de sua imagem. Identificada a violação, a pessoa poderá exigir a proibição, sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

              A imagem do falecido também não poderá ser violada, podendo requerer a correspondente proteção o cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta até o quarto grau. Além disso, salvo por exigência médica, é proibido o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. E ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. Para fins de transplante, lei especial regulamenta o ato.

                Apenas com objetivo científico, ou altruista, o corpo, depois da morte, poderá ser gratuitamente colocado à disposição no todo ou em parte. E esse ato de disposição poderá ser livremente revogado a qualquer tempo.

                   A sociedade reconhece a capacidade civil na faculdade de a pessoa livremente exercitar direitos e deveres, podendo, portanto, assumir todas as consequências jurídicas por seus atos. A capacidade civil possibilita a realização de negócios jurídicos e integra a pessoa ao circuito de uma existência formal, regulada.

                      No entanto, o Direito brasileiro não reconhece a capacidade civil dos menores de 16 anos, tratando-os como absolutamente incapazes para os atos da vida civil. A capacidade civil plena será adquirida ao se completar 18 anos ou por alguns outros critérios definidos em lei, como a emancipação por ato dos pais ou responsáveis.

                 E são considerados relativamente incapazes para o exercício de certos  atos ou à maneira de os exercer, os maiores de 16 e menores de 18 anos, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade. Também os pródigos, isto é, aqueles que dissipam imoderadamente os próprios bens, são considerados relativamente incapazes para atos da vida civil. 

                   É bom lembrar que incapacidade relativa não é a mesma coisa que imunidade para efeitos de condenação por atos ilícitos praticados.

 

                         V. A operacionalidade e os serviços advocatícios

 

                      O Código Civil divide-se em uma parte Geral e outras cinco partes Especiais. A parte Geral trata das Pessoas Naturais e Jurídicas, dos Bens e Negócios Jurídicos, bem como de Atos Lícitos e Ilícitos. Já as demais tratam do Direito das Obrigações, Direito de Empresa, Direito das Coisas, Direito de Família e Direito das Sucessões. Trata-se, portanto, de um código de regulações amplas, abarcando praticamente todos os aspectos da vida civil.

             A título de ilustração, alguns dos serviços habitualmente solicitados na área cível correspondem às medidas cautelares. Trata-se de medidas solicitadas ao Poder Judiciário para enfrentar a gravidade da violação do direito. Visa prevenir contra a lesão, conservando e defendendo o direito. Deve existir evidência das alegações (fumus boni juris); e, também, perigo imediato de lesão ou prejuízo à parte que solicita a medida cautelar (periculum in mora). Pode ser preventiva (antes da ação principal) ou incidental (no curso da ação). 

                       Outros exemplos bastante comuns estão associadas aos imóveis. Com destaque para a ação ordinária de despejo (para o autor ou réu); ação de revisão e arbitramento de aluguel; ação renovatória de contrato de locação (para locador ou locatário); ação possessória para manutenção e reintegração de posse ou interdito proibitório. E tanto no meio urbano quanto rural, são frequentes as ações de divisão e demarcação de terras particulares, retificação de área e usucapião.

           Por vezes, o cidadão dispõe de um pedaço de papel que declara um crédito correspondente a um empréstimo feito para um amigo que não cumpre com o combinado. É possível cobrar judicialmente essa dívida? Sim, é possível. Há um instrumento processual à disposição do credor de quantia certa, de coisa fungível, isto é, que pode ser substituída por algo similar, ou ainda coisa móvel determinada. Mesmo que o documento escrito não tenha eficácia de título executivo (não é cheque, nem nota promissória, etc), poderá o cidadão requerer em juízo, por meio de ação monitória, a satisfação do direito lesado.

               Nesse sentido, o Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015 - traz algumas inovações importantes com impacto na vida civil. Um deles diz respeito aos débitos condominiais que passam a ter a força de títulos executivos, o que na prática irá acelerar sua cobrança.

                       Enfim, o Código Civil é, a rigor, uma verdadeira Constituição do Dia-a-Dia, tendo no Código de Processo Civil, o seu autêntico manual de utilização. Conjugando acertadamente ambos, a teoria não prevê a recuperação do Paraíso Perdido, mas sugere que a vida será bem melhor de ser vivida por todos.  

    

O presente artigo visa educar para o Direito e pode ser livremente copiado. Para a gentileza da citação, usar a forma seguinte:

FAIS, Gilson. Os códigos da vida em sociedade. Disponível em: <http://www.gilsonfais.adv.br/>. Acesso em: dia/mês/ano.

 

Fontes: 

- Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988;

- Lei 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro);

- Lei 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil);

- Decreto 592/1992 (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos);

- Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos);

- Lei 9.807/1999, (Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas).

 

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